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Se você espera um texto apontando o dedo para a cópia na indústria da moda, antecipo que esta é uma reflexão pessoal do meu ponto de vista sobre este delicado assunto.

“Não há nada novo sob o sol.” Eclesiastes 1:9

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Kaia Gerber usa Oscar De La Renta (2021) inspirado no look de Bianca Jagger, feito por Christian Dior (1981)
(Foto: L’Officiel)

No último baile MET Gala, Kaia Gerber vestiu uma releitura do look usado por Bianca Jagger em 1981, criado por Christian Dior.  Esse exemplo é uma versão, uma referência clara ao criador original. Muito bem feita, com algumas diferenças de identidade. Mas e se uma marca nacional fizesse a mesma coisa e desse crédito ao criador do design origial seria reconhecida da mesma forma que foi o vestido usado por Kaia? 

Jacquemus Fall 2018 – Spring 2019 (fotos Vogue.com)
vogue.com

Vamos a outro exemplo, em seu desfile Fall 2018 Jacquemus apresentou na passarela o que conhecemos hoje como neck bag ou neck pouch (bolsa de pescoço). São microbolsas penduradas no pescoço, o designer continuou a evolução do modelo e apresenta ainda hoje variações da neck bag em seus desfiles. Se ele foi o primeiro a fazer não sabemos, mas depois que o modelo ganhou notoriedade vimos versões em todo lugar, como por exemplo no desfile Spring 2019 da Loewe, Spring 2020 da Fendi e Fall 2020 da Prada (imagens abaixo). Sem mencionar marcas menos conhecidas que também criaram a sua versão.

Loewe Spring 2019 – Fendi Spring 2020 – Prada Fall 2020 (fotos Vogue.com)
vogue.com

Nestas imagens acima vemos que cada marca usou a trend da bolsa pendurada no pescoço à sua maneira. Parece-me estranho não ter visto menções de “extra, extra: marca X copiou Jacquemus”. É apenas um exemplo, mas poderíamos fazer aqui um livro só com casos de marcas que se “inspiram” em criações sem fazer qualquer menção às versões originais.  Coloco aqui em cheque uma reflexão: se fosse alguma marca de destaque no cenário nacional a fazer tal “inspiração” qual seria a repercussão? Certamente seria rechaçada no Instagram, com milhares de dedos apontados. Não entro aqui em defesa de nenhuma marca específica, mas trago a provocação para refletir. 

Existe um movimento espiral na moda, onde grandes labels criam as tendências que são traduzidas e reproduzidas incansavelmente até atingir a massa que não pode consumir das grandes marcas (quem pode?),  mas querem “estar na moda”. 

Sabemos que a Zara é uma entre tantas redes de fast fashion que faz isso há anos, e aqui deixo meu depoimento pessoal: “Obrigada Zara! Graças a “você” eu tive (e ainda tenho) acesso a releituras de produtos que eu não poderia comprar das marcas originais.”

O desejo pelo produto “original” continua existindo, e enquanto eu não puder usufruir deles vou procurar versões que atendam ao meu desejo. E não se trata apenas de fugir do efeito manada e treinar o gosto pessoal para ser mais autêntico, isso é utópico. Somos influenciados e queremos ter o que achamos bonito. 

Acredito que as “versões”  democratizam as tendências tornando-as acessíveis, e as marcas que decidem fazer suas releituras tornam isso possível aos seus consumidores.

Que jogue a primeira pedra quem nunca se inspirou! E não apenas de moda, pense em decoração, design de layouts, narrativas, opiniões, gestos, corte de cabelo, maquiagem, etc, etc e etc. Bebemos de diversas fontes para criar moda, e mais cópia ou menos cópia,  quem pode de verdade julgar?

A legislação brasileira não dá muito suporte nestes casos, como explica o advogado Sérgio Lima, especialista em Fashion Law:

“A proteção das criações dos designers de moda se dá pela lei de direitos autorais, devendo o criador provar a anterioridade da criação, bem como sua autoria. Para muitos juristas, as criações de moda não podem ser protegidas pela lei de propriedade industrial, pois essa exige novidade e originalidade para considerar uma criação como um desenho industrial. Esses dois requisitos acabam não sendo encontrados na moda, pois os desigers, muitas vezes, criam com base em algo já existente. Nesse contexto, a cópia e o plágio ferem os direitos morais do designer, porém é algo que deve ser sempre analisado diante do caso concreto. A cópia é uma reprodução integral, já a inspiração possui um objeto fonte, mas acrescentam-se mais referências ao conjunto da obra.”

Gosto muito do livro “Pense como um artista” de Will Gompertz, nesse livro o autor fala sobre a criatividade e como ela é um exercício que precisa ser praticado constantemente, e do quanto as  referências externas são responsáveis pela nossa evolução como criadores.

Gompertz fala que “Qualquer pessoa envolvida em qualquer ocupação criativa começa copiando, seja um bailarino ou um engenheiro estrutural. É assim que aprendemos.”

E é o que vejo na moda, muitas marcas têm em seu mix de produtos modelos que são copiados ou inspirados, e quanto mais a marca ganha espaço, mais evolui e sente-se à vontade e segura para fazer escolhas genuínas e apostar em produtos autorais. 

Muito mas muito mesmo do que é criado em marcas de moda passa por um crivo comercial que anula criações que não tenham sido ainda “testadas” comercialmente. Reuniões de aprovação de coleções são conduzidas por resultados comerciais já testados, ou pela grama do vizinho: “Veja o que estão fazendo e faça parecido (ou igual) ou então, veja os produtos mais vendidos e reproduza”.

A incerteza da venda é um dos grandes responsáveis pela falta de renovação no mercado da moda. E esta falta de segurança do departamento comercial em aprovar novidades autênticas está muito relacionada à falta de confiança no trabalho do departamento de estilo. 

Com isso não venho apontar um vilão ou culpado por haver tantas cópias de cópias, trago um recorte do processo que faz parte do dia a dia de muitas marcas. Fale-me você, amigo estilista: você pode exercer sua  criatividade com liberdade? A liberdade criativa existe de fato ou  é historinha de faculdade? 

Theodore Roosevelt* discursou em 1910 uma analogia que se aplica ao sentimento de todo o criador: “Não é o crítico que importa, nem aquele que mostra como o homem forte tropeça, ou onde o realizador das proezas poderia ter feito melhor. Todo o crédito pertence ao homem que está de fato na arena (…),”.

Só quem está dentro do desenvolvimento sabe o esforço e a coragem que é estar na arena. Estilista e designer literalmente lutam constantemente pela sua ideia, muitas vezes falhando, questionando sua capacidade, mas reerguendo-se e aprendendo. 

Portanto, simplesmente apontar dedos para cópias sem de fato conhecer toda a indústria, ou sem de fato ter criado produtos genuínos, sem nunca ter estado na arena pode ser fácil. Difícil é fazer produtos que vendam, que gerem desejo, que alimentem esta indústria enorme. 

Ainda compartilhando um pensamento de Will Gompertz, o autor afirma brilhantemente que:

“Os pintores passam seus anos iniciais plantados em museus gelados copiando obras-primas. É uma forma de aprendizado. Você precisa imitar antes de poder rivalizar. É um período de transição, uma ocasião para aprender corretamente os princípios básicos, desenvolver técnicas específicas, entender as complexidades de um meio, com a esperança de reconhecer onde estão as oportunidades para acrescentar seu próprio elo à corrente.”

Austin Kleon, escritor do livro “Roube como um Artista”, discorre sobre essa temática e passa um exercício “Buscar as referências por trás das pessoas que você admira. Através de livros, música, arte, pesquisas – você torna-se autêntico.”

Acabamos todos olhando para os mesmos lugares, viajando para os mesmo países, e hoje, porque não (?) seguindo os mesmos influenciadores. É óbvio que a cópia sempre estará presente, consciente ou não. A reinterpretação é que precisa conter o máximo possível do seu próprio olhar, podemos afirmar que somos um amontoado de referências e quanto mais referências acumularmos mais originais serão nossas criações. 

Se esta reflexão foi válida, comente aqui, e nos siga nas redes sociais. Ah, e fique à vontade para compartilhar. Quem sabe uma grande mudança global pode surgir em meio à nossas conexões.

Texto escrito a quatro mãos por Monic Menezes (@monicmenezes) e Joy Alano (@joyalano_). 

*Theodore Roosevelt, trecho do discurso “Citizenship In A Republic” na cidade de Sorbonne, em Paris, França, em 23 de abril de 1910

Referências:

ELLE. 2020. Disponível:  https://elle.com.br/podcast/o-que-e-copia-na-moda Acesso 07 dez 2021.

FASHION COPYCATS. 2019. Disponível em: https://fashioncopycats.com/ Acesso 07 dez 2021.

GLAMOUR. 2021. O fashion TikTok está problematizando versões DIY de roupas de grife. Disponível em: https://revistaglamour.globo.com/Moda/Fashion-news/noticia/2021/06/plagio-ou-inspiracao-o-fashion-tiktok-esta-problematizando-versoes-diy-de-roupas-de-grifes.html Acesso 08 dez 2021.

GOMPERTZ, Will. 2015. Pense como um artista: … e tenha uma vida mais criativa e produtiva. Tradução: Cristina e Iara Fino. Rio de Janeiro. Zahar.

KLEON. Austin. 2012. Roube como um artista. Tradução: Leonardo Villa-Forte. Brasil. Editora Rocco.

L’OFFICIEL. 2021. Disponível em: https://www.lofficielusa.com/fashion/kaia-gerber-first-met-gala-red-carpet-bianca-jagger Acesso 09 dez 2021.

MIGALHAS. 2021. Disponível em:   https://www.migalhas.com.br/depeso/344399/os-limites-entre-a-copia-e-a-inspiracao-na-moda Acesso 07 dez 2021

PIAUI. 2007, Disponível em: https://piaui.folha.uol.com.br/materia/copiaimitaplagiaroupa-nova/ Acesso em 08 dez 2021.

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